Congelação de óvulos para engravidar mais tarde

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Nos últimos três anos quadruplicou o número de mulheres que recorreram à congelação de óvulos para engravidar depois dos 35 anos de idade.

Uma amiga com dificuldades em engravidar fez soar os alarmes de Sofia, 38 anos, gestora de eventos. Sentiu a sua frustração sempre que via negativo no teste de gravidez e acompanhou-a aos tratamentos. “É cinco anos mais velha que eu e isso fez-me projetar a minha vida. Soube que se podia congelar óvulos e informei-me. Antes nunca tinha ouvido falar e nem sequer pensado nisso. Como a minha vida ainda não era como sonhava no campo amoroso e em estabilidade profissional, decidi guardar os óvulos”, conta. Muitas outras mulheres pensam assim e os atos para congelar óvulos sem ser por doença quadruplicaram desde 2018.

O Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) indicou ao DN que, em 2020 realizaram-se 365 atos de preservação do potencial reprodutivo (criopreservação de ovócitos) sem ser por doença, mais 65 que em 2019, ano em que tinham duplicado comparativamente ao período anterior (171 em 2018).

Há três anos, inverteu-se a tendência do motivo para congelar óvulos que até aí eram maioritariamente por doença (oncológica, por exemplo). Estes casos representaram 206 atos em 2019 e 144 em 2020. Agora, a congelação é chamada “causas sociais”, para a eventualidade de uma gravidez tardia.

“Houve efetivamente um aumento significativo no número de atos de preservação do potencial reprodutivo na ausência de doença. Cada vez mais mulheres saudáveis optam por prolongar o horizonte da maternidade. Muitas têm dificuldade em estabelecer relações estáveis, o que torna difícil encontrar com quem partilhar o projeto parental”, explica o CNPMA.

Vera Mendes, 37 anos, arquiteta, é uma dessas mulheres. Não tem problemas em falar sobre as razões que a levaram a congelar os óvulos, há um ano, até para alertar outras pessoas. “Quando deixei de tomar a pílula, deixei de ter período e fui a consultas de fertilidade para perceber o motivo. Não se compreendeu claramente a razão – pode ter sido que o organismo tenha ficado preguiçoso, também associo à falta de vitamina D que comecei a tomar -, mas acabei por saber que os meus óvulos estavam a perder qualidade e que poderia ter uma menopausa precoce. Comecei a ter outras preocupações”, explica.
Uma amiga a viver em Londres disse-lhe que tinha congelado os óvulos (criopreservação de ovócitos)e decidiu fazer o mesmo. “Não tenho namorado e, para mim, engravidar é no contexto de haver um companheiro. Com os problemas que detetei, não quero perder essa possibilidade se mais tarde quiser ter um filho”, conclui.
Para a Sofia, que prefere não dizer o apelido, congelar os óvulos é uma porta aberta. “Sei que não é uma garantia de engravidar no futuro, mas é uma opção que tenho e isso faz sentido para mim”.

Quanto fica congelar os óvulos?

Vera Mendes conta que a estimulação ovárica (com injeções que administrou a si própria em casa) e a punção (para retirar os óvulos ) não foram dolorosos, mais complicado foi a parte psicológica. Teve de fazer dois ciclos de estimulação para garantir uma quantidade mínima em condições. Pagou 2500 euros pelo processo, sem contar com a medicação, na clínica IVI Lisboa. Recorde-se que a lei portuguesa só permite que sejam congelados por cinco anos, renovados sucessivamente.

695 atos de criopreservação nos últimos dois anos

Os óvulos mantém as propriedades durante a congelação e poderão ficar por mais tempo mediante um valor adicional. A criopreservação custa entre 2500 e 3 mil euros pelo tratamento, valores que, em geral, as clínicas publicitam nas suas páginas. O prolongamento por períodos de cinco é de cerca de 450 euros cada. Se quiser utilizar estes óvulos numa gravidez futura será através de uma FIV (Fertilização In Vitro), procedimento que tem custos próprios. Vera assinou um documento para que o seu material biológico seja doado em caso de não o usar. As unidades de saúde públicas só fazem a criopreservação em caso de doença.
Sérgio Soares é o diretor da IVI Lisboa, grupo que tem 65 clínicas distribuídas por nove países. Sentiram um aumento de 300% no número de procedimentos nos últimos cinco anos. Ainda assim, considera que é pouco para a dimensão do país e o facto de se localizarem na capital. “É ainda desconhecida da população a questão do desgaste ovárico ocorrer cedo na vida. É importante sensibilizarmos a sociedade para que a fertilidade diminui a partir dos 35 anos, ainda há a ideia de que é fácil ser mãe a partir dos 40 anos. E claro, o custo dos tratamentos também pesa em alguns casos”, diz.
Realizam dois mil daqueles procedimentos por ano na Península Ibérica, apenas 2% em Portugal. Em Espanha, as mulheres procuram o tratamento aos 36 anos em média, as portuguesas fazem-no aos 37. No nosso país, os tratamentos não estão cobertos pelos seguros de saúde, nem são apoiados pelas empresas, ao contrário do que acontece no estrangeiro. Há organizações que apresentam a criopreservação e outros tratamentos de PMA como um benefício contratual. Mas há uma seguradora internacional a contactar as clínicas em Portugal para que essa possibilidade possa existir no país.

A Associação Vida Mais Fértil (AVMF) e a Associação de Promoção à Fertilidade) lançaram há um mês (na Semana da Fertilidade) a plataforma “Quando estiveres pronta”. O objetivo é “informar e capacitar as mulheres sobre a preservação da fertilidade”.

Prevenção não é garantia

O presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução, Pedro Xavier, defende que os clínicos gerais deviam alertar as doentes para a possibilidade de congelar os óvulos, até porque são muitas as mulheres a lamentar: “Se soubesse.” Esse procedimento deve ser relativamente cedo e desaconselham fazer a congelação depois dos 40 anos. Os tratamentos de procriação medicamente assistida (PMA) podem fazer-se até aos 49 anos e 364 dias da mulher, o limite da lei portuguesa.
Mas, Pedro Xavier sublinha. “Este método não garante a gravidez. Há uma probabilidade maior de engravidar com óvulos que produziu aos 34 anos do que aos 42. Agora, pode não conseguir engravidar com os óvulos criopreservados. Se adiou em demasia o projeto parental, pode ver-se com 44/45 anos com uma probabilidade muito baixa de engravidar”.
Vladimiro Silva, diretor da Ferticentro, em Coimbra, salienta que esse alerta é o início de tudo. “Digo às mulheres sempre a mesma coisa: o objetivo de congelar óvulos é não os usar. Podem e devem ser congelados o mais cedo possível mas, se entretanto encontrar um companheiro e quiser ter filhos, deve fazê-lo com os óvulos que está a produzir. Os óvulos que ficam congelados são uma espécie de último recurso, para quando os ovários não funcionarem. Nesse caso, pode ser a sua própria doador”.

FONTE: Diário de Notícias

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