Cesariana: os medos, o parto e o pós-parto de 3 mulheres

No mês da Consciencialização para a Cesariana, a SIC Notícias dá-lhe a conhecer as histórias dos partos de Ana, Patrícia e Carol e esclarece algumas dúvidas com o obstetra Miguel Raimundo.

Patrícia e Carol são “mães de primeira viagem”. Queriam ter um parto vaginal, mas não foi possível. Ana também idealizava dar à luz da mesma forma que teve a primeira filha, com um parto vaginal. Confessa ter sentido “muito medo”. As experiências do parto e da recuperação foram diferentes para as três mulheres com quem a SIC Notícias falou. Carol teve uma recuperação “dolorosa” e Ana fala num processo “lento”. Já com Patrícia correu “super bem”. O obstetra Miguel Raimundo esclarece que as complicações acontecem tanto em partos vaginais como em cesarianas e, no mês da Consciencialização para a Cesariana, ajuda-nos a perceber este tipo de parto, os riscos e os cuidados necessários.

DO DESCONHECIDO ÀS CESARIANAS
Ana Vale teve uma cesariana de urgência, em novembro de 2019, no Hospital da Luz. Ao fim de cerca de 12 horas em trabalho de parto, só tinha dois dedos de dilatação. O bebé começou “em sofrimento”, com os batimentos cardíacos mais acelerados e a grávida com febre e “muito alterada e ansiosa”.

“Senti muito medo pela surpresa, medo que acontecesse alguma coisa de mal a mim e ao bebé. Isso afetou bastante o procedimento. Tinha imaginado de outra maneira. Já tinha tido outro bebé, tinha corrido tudo bem”, conta em entrevista à SIC Notícias.

Patrícia Duarte, na altura com 29 anos, idealizada um parto vaginal: “Só pensava que, sendo muito ativa e a fazer ginásio, o meu corpo ia conseguir finalmente dar à luz“. Patrícia tinha dilatação total, mas o bebé “não descia mais”. O filho Francisco nasceu com uma cesariana no Hospital de Santarém, em março de 2021.

“Para um parto vaginal iam ter que me cortar muito ou eu iria rasgar muito. Falámos e resolvemos ir para cesariana. Os médicos tentaram sempre que fosse um parto vaginal, mas o bebé era muito grande, não descia. Eu continuaria a fazer muita força e ia rasgar bastante ou iam cortar. Isso eu não queria“, explica.

A terceira mulher entrevistada pela SIC Notícias, Carol Gonçalves, reconhece que primeiro sentiu-se aliviada porque “estava a ser penoso”. No entanto, diz não ter tido “muito tempo” para pensar: “A dilatação estava completa e eu sentia uma pressão anormal. É como teres mesmo algo a sair, só que não sai. As enfermeiras parteiras iam dizendo que eu tinha de fazer força e tinha que ser assim, mas a bebé não saia. O saco com o líquido amniótico não rompeu, foram elas que o fizeram manualmente”.

“Cheguei a um ponto em que estava exausta, parecia que tinha corrido a maratona. Era desesperante porque ela não saía. Com as dores, eu ia perdendo a consciência“, afirma.

NÃO OLHAR PARA A CESARIANA COMO “UMA COISA MÁ”
Em entrevista à SIC Notícias, o ginecologista e obstetra Miguel Raimundo reconhece que muitas mulheres “idealizam” um parto vaginal e olham para a cesariana “como último recurso”, como “uma coisa má”. No entanto, destaca que qualquer um dos partos pode ter dificuldades:

“Numa cesariana pode haver complicações como hemorragias e infeções da cicatriz. O parto vaginal é mais fisiológico, com uma dor mais localizada“, explica, sugerindo que as grávidas não olhem para a cesariana como “uma coisa má”.

O médico defende que o mais importante é humanizar o parto, a comunicação entre a equipa médica e a mulher: perceber o que está a ser feito, que estratégia vai ser adotada no processo.

“É importante perceberem que se fazemos cesariana é porque há indicação para disso. A cesariana não deve ser vista como último recurso, mas uma coisa para o bem da mãe e do filho“, refere, em entrevista à SIC Notícias.

Segundo a Direção-Geral da Saúde (DGS), há quatro critérios para a indicação de uma cesariana: a urgência, a ausência ou a fase do trabalho de parto, o motivo principal e as principais caraterísticas da gravidez.

O PARTO: A OPÇÃO PELA CESARIANA
Durante a cesariana, que é uma técnica cirúrgica, os médicos atravessam todas as camadas desde a pele até ao útero. Afastam os músculos, fazem uma incisão no útero, “numa zona muito específica” e tiram o bebé. A seguir, tiram a placenta e suturam. Esta explicação simples foi dada pelo médico Miguel Raimundo.

Às 16:00, Patrícia tinha a dilatação completa. Esteve mais de três horas a “fazer força para que o bebé descesse”, mas não havia avanços. Até que os médicos perceberam que não havia espaço para sair.

“Disseram-me que seria melhor ir para cesariana. Eu já tinha tantas dores que disse logo para irmos, se achassem que seria melhor”, diz, acrescentando que a cesariana correu “super bem”.

A experiência da cesariana de Carol foi diferente da de Patrícia. Foi mãe com 31 anos, no Hospital de Cascais. “O meu canal era torto e a bebé não ia poder nascer com um parto vaginal. Quando a equipa percebeu, mandaram-me imediatamente para cesariana. Recordo-me que até tiveram o cuidado de perguntar se autorizava a cesariana e eu disse logo que sim”.

Depois de ter a filha nos braços, achou “estranho demorarem tanto tempo” a fechar a barriga:

“Comecei a tremer ao ponto de ter uma enfermeira a segurar-me cada braço. Disseram-me que era da anestesia, mas que não me podiam suturar já porque estava com uma arritmia. Estive uns 20 minutos assim”.

Já Ana Vale, que reconhece ser uma pessoa ansiosa “por natureza”, sentiu-se mal durante a cesariana:

“Estava muito ansiosa, as minhas tensões começaram a descer muito e acho que também perdi algum sangue, pelo que percebi. Mas a médica ia falando comigo, ia-me explicando o que estava a acontecer. O meu marido também lá estava. Fomos sempre conversando”.

O medo dominou Ana. Depois de 12 horas em trabalho de parto, em apenas uma hora tudo mudou: a medicação, a quantidade de profissionais de saúde a entrar e a sair do quarto, o bloco operatório, os braços amarrados e o cinto próprio.

“Controlar o stress nesse período foi o maior desafio. Quando o bebé saiu, senti um alívio”, diz.

À SIC Notícias, o médico Miguel Raimundo esclarece que os obstetras têm que registar os motivos da cesariana: o nome do médico que decidiu esse tipo de parto, a data e a hora da decisão e do início e fim da cirurgia.

CESARIANAS ELETIVAS, URGENTES E EMERGENTES: A DIFERENÇA
As cesarianas, que podem ser eletivas, urgentes ou emergentes, são classificadas quanto à urgência, de acordo com a DGS. É uma cirurgia segura, com taxas de complicações muito baixas.

Programada/eletiva: cesariana é planeada, consoante a vontade da grávida ou algumas indicações médicas, como a placenta prévia, cordão velamentoso e outras patologias.
Urgente: existe uma situação que precisa de ser resolvida num curto intervalo de tempo, mas não há “perigo iminente” para a saúde do feto ou da mãe. Por exemplo, durante o trabalho de parto, os médicos percebem que, “por algum motivo, o bebé começa a desacelerar”, mas existe algum tempo para atuarem, explica o médico. Neste tipo de cesarianas, o tempo entre a indicação da cirurgia e o início da cesariana não deverá ultrapassar as duas horas.
Emergente: cirurgia deve ser realizada o mais rápido possível – nos 15 minutos seguintes à indicação da cesariana – porque existe perigo iminente para a saúde do bebé ou da mãe. Por exemplo, quando durante o trabalho de parto a frequência cardíaca do bebé desce “abruptamente e não recupera, como se entrasse em paragem”.


Além disso, o obstetra Miguel Raimundo explica que a cesariana também varia consoante a fase do trabalho de parto:

“É diferente fazer uma cesariana na fase inicial, em que não há dilatações, nem contrações, do que fazer no período expulsivo, em que já há dilatação completa e o bebé já está apoiado na bacia. É muito mais complicado fazer uma cesariana em trabalho de parto do que sem trabalho de parto“.

PÓS-PARTO: AS DIFERENTES EXPERIÊNCIAS
Ana Vale já tinha a experiência de um parto vaginal. No segundo parto, que foi uma cesariana, a recuperação foi “fisicamente mais lenta, mas psicologicamente mais rápida”. Passaram cerca de duas semanas até conseguir “prestar todos os cuidados” a si mesma. No entanto admite que psicologicamente sentia-se “mais capaz”. O bebé “ajudou”, esteve sempre “muito tranquilo, parecia que ainda estava dentro da barriga”, conta.

No entanto, o penso à costura não correu bem. Na primeira semana “gritava todos os dias” cada vez que tomava banho.

“No hospital, não foram muito gentis no penso que me fizeram. Quando o tirei veio uma série de pele atrás. Ardia-me imenso, era horrível cada vez que tinha de fazer vários pensos. Tive muitas dores quer na cicatrização quer na parte de andar, fazer força, sentar, levantar e pegar em pesos“.

“Não sei se está relacionado com o facto de ter sempre feito muito ginásio e muito desporto, mas ao fim de cinco dias já andava melhor. Tinha algumas dores ao final do dia por andar de pé de um lado para o outro. Não fazia esforços, mas também não estava deitada o dia todo. Conseguia pegar no meu filho ao colo, conseguia ir à casa de banho sozinha. Tudo tranquilo. A minha cicatriz ficou muito bonita, muito perfeita”.

Foi pondo cremes, fez massagens e teve o acompanhamento de uma especialista. Olhando para trás, diz que a recuperação foi “super rápida e fantástica”.

Depois de uma cesariana, a cicatriz costuma ficar avermelhada durante alguns meses. Com o tempo vai ficando mais clara.

Já Carol, ainda na maternidade, sentia-se “inválida”. Não se conseguia levantar da cama, ir à casa de banho, nem pegar na filha ao colo porque tinha “dores”, “parecia que estava a morrer”. No primeiro dia depois do parto ficou “toda inchada”. Só lhe serviam chinelos.

“Fui informada que tinha que usar meias de compressão e dar injeções diárias na minha barriga todos os duas durante 10 dias. Era algo que não estava mesmo à espera. Tem a ver com o risco de trombose”, conta.

Durante um mês, dependeu do namorado para se virar e levantar da cama. A filha nasceu em meados de dezembro e no final de janeiro Carol ainda tinha dores: “Tinha mesmo ansiedade porque sabia que tinha que me levantar quando a bebé acordasse. Isto implicava um género de abdominal que me matava”.

À SIC Notícias, salienta ainda que várias mulheres que tinham sido mães “meteram-lhe na cabeça” que tinha que usar “imediatamente uma cinta ou ia ficar com ‘gorda’ para o resto da vida”. Carol tentou, mas a cinta dava-lhe “dores horríveis”:

“Fartei-me de chorar, dizia que nunca mais me ia virar na cama e ia ficar ‘gorda’ para sempre. Afinal, é só normal“.

O obstetra Miguel Raimundo refere que é normal sentir-se mais dor depois de uma cesariana do que de um parto vaginal. A recuperação também é mais lenta. No entanto, esclarece:

“Enquanto a cesariana tem uma dor generalizada, um mal-estar geral, após o parto vaginal a dor é mais localizada, perineal.

Para ajudar na recuperação, o especialista recomenda cursos de preparação para o parto e pós-parto e fisioterapia do pavimento pélvico e alerta que as mulheres devem estar atentas se há sinais inflamatórios na cicatriz. “É a complicação mais comum”, acrescenta.

Depois de uma cesariana, as mulheres não devem fazer esforços, nem levantar pesos. Para se levantarem da cama devem virar-se de lado e utilizar ajuda dos braços para levantar o corpo. A área da sutura deve ser massajada com creme cicatrizante, depois de os pontos serem retirados.

HOSPITAL PÚBLICO VS. HOSPITAL PRIVADO
Dos 14,4 mil partos em hospitais privados, em 2020, 12 mil (83,9%) implicaram instrumentos de apoio, como fórceps e ventosas, ou a realização de cesariana. Nos hospitais públicos, cerca de metade dos partos (50,2%) foram feitos sem intervenção de instrumentos ou cirurgia. Os dados são das Estatísticas da Saúde, divulgadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

O médico Miguel Raimundo reconhece que os privados fazem mais cesarianas que os hospitais público, mas explica que a medicina é diferente:

“No público, muitas vezes, o que está em jogo é a imagem das instituições. No privado é a imagem do médico, há uma atitude muito mais preventiva. À mínima complicação o médico vai para a cesariana, não arrisca tanto como no público“, esclarece, acrescentado que os médicos “podem consciencializar as grávidas ao referir as vantagens do parto vaginal, mas a pessoa faz o que quiser”.

O obstetra defende ainda que nos hospitais públicos a grávida devia ter o direito de escolher ter uma cesariana sem indicação do obstetra:

“Se podemos escolher tanta coisa, como interrupção médica da gravidez, mudança de sexo ou cirurgias estéticas, a mulher devia ter o direito de chegar ao hospital público e escolher fazer uma cesariana. Se chegar e disser que começou com contrações e quer fazer uma cesariana, o hospital público não faz“.

PARTO VAGINAL VS. PARTO POR CESARIANA
Um primeiro parto por cesariana não obriga a uma segunda cesariana, mas aumenta a probabilidade, afirma Miguel Raimundo à SIC. O médico explica que pode haver risco de rutura numa zona frágil do útero durante o trabalho de parto, apesar de a probabilidade ser baixa.

“Com duas cesarianas já ficamos desconfortáveis em avançar para um parto vaginal no terceiro parto”, acrescenta.

Carol Gonçalves, advogada, diz ter tido um “banho de realidade” com o regresso ao trabalho: “Um trabalhador independente não tem como fazer. Se não trabalhasse não recebia. Consegui gerir tudo sem licença parental (…). Isto é uma ansiedade brutal. Por sorte do destino, a minha bebé nasceu na entrada das férias judiciais de Natal. Se não fosse assim, eu tinha julgamentos e tinha que me orientar”.

Apesar do pós-parto “difícil”, reconhece que a cesariana foi necessária porque não teve outra hipótese para o nascimento da filha. No entanto, admite preferir “mil vezes” um parto vaginal”.

Ana Vale olha para a cesariana como uma “boa experiência”, mas também reconhece que preferia ter tido um parto vaginal pela “recuperação mais rápida”.

“O momento em que o bebé nasce é um momento único e isso não está relacionado com a forma como o bebé nasce. Está relacionado com o primeiro encontro de olhares entre mãe e filho. Naquele momento tive uma explosão de amor tão grande como tive na primeira filha, em que tive um parto vaginal“, remata.

Fonte: SIC Notícias

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