Em alguns momentos as famílias stressadas abanam as crianças para as tentar calar. Estes movimentos repetidos e violentos podem provocar lesões. A explicação do pediatra José Manuel Aparício
O choro é uma das manifestações mais frequentes de uma criança, principalmente nos primeiros meses de vida podendo aparecer duas a três horas por dia até às seis semanas de vida e uma hora por dia até às 12 semanas de vida. Esta é uma forma da criança comunicar aos seus pais que pode ter fome, está desconfortável ou que quer apenas comunicar com eles. Nestes momentos, bastam medidas de conforto como uma refeição, um mimo, um colo ou uma muda de fralda, para terminar este episódio de choro.
Por vezes, o choro não tem causa aparente e não responde a estas medidas de conforto, persistindo e estendendo-se no tempo, não sendo fácil acalmar a criança, e então entramos no tema das cólicas que podem afetar 8% a 40% de todas as crianças nos primeiros 4 a 6 meses de vida.
A cólica pode iniciar-se pela segunda semana de vida, sendo irregular no início, podendo aparecer a qualquer hora do dia, mas tornando-se cada episódio mais longo e nesta altura provavelmente com padrão temporal regular entre as 18h e as 23h, com um pico às 6 – 8 semanas de vida, desaparecendo natural e habitualmente pelos 3 a 4 meses.
O padrão habitual na cólica é de choro com duração superior a 3h/dia, por mais de três dias/semana e com duração superior a três semanas/mês (Regra dos 3 – critérios de Wessel). Apesar de a criança estar bem de saúde e a evoluir bem do ponto de vista antropométrico e psicomotor, estes episódios são frustrantes, extenuantes e causadores de enorme ansiedade e preocupação nos pais, pois não só não acalmam com medidas de conforto como surgem numa hora do dia em que os pais estão mais cansados, gerindo um problema que, não sendo culpa sua, altera a dinâmica familiar, principalmente se se trata do 1º filho ou se a experiência anterior com outro filho não vivenciou esta problemática.
A cólica inicia-se subitamente com um choro intenso, constante e de timbre elevado, perturbando as refeições e o sono, causando ansiedade e frustração familiar. Algumas das particularidades da cólica incluem: expressão de dor, procura das mãos com a boca, mãos cerradas, rubor facial com palidez peri-labial, extensão das pernas e braços, tronco arqueado, libertação de gases e distensão abdominal. Estes episódios podem melhorar ou desaparecer com a expulsão de gases, originados pela deglutição de ar durante o choro prolongado.
O diagnóstico é clínico, pois não existem exames laboratoriais para diagnosticar este quadro clínico pediátrico que varia de criança para criança, não tem diferença entre sexos e tem padrão temporal típico na crise e na sua extinção aos 4 a 6 meses.
A etiologia da cólica é desconhecida, não havendo evidência científica de dor, disfunção gastrointestinal ou aerocolia na sua génese. Podem, contudo, existir vários fatores contributivos como imaturidade digestiva, hipermotilidade intestinal, alergias, intolerância à lactose, perturbação do microbioma intestinal, alterações hormonais, níveis elevados de serotonina, padrão alimentar e ansiedade/stresse parental. Alguns estudos associam a cólica à enxaqueca da infância e ao tabagismo materno (na gestação e amamentação) e ao uso de terapias substitutivas da nicotina.
A adaptação da criança ao mundo que a rodeia é outro fator que pode contribuir para o aparecimento de cólicas, já que a um temperamento intrínseco e único, se passam a associar estímulos novos e permanentes como luzes, sons e cheiros. A dificuldade de adaptação e autocontrolo perante estes estímulos pode contribuir para esta reação.
Vários estudos excluíram a diferença de sexo, a prematuridade e a alimentação por fórmula como sendo fatores de risco para as cólicas. Contudo, existem trabalhos a revelar que a depressão pós-parto, suspensão precoce do aleitamento materno e sentimentos de culpa, tristeza, revolta e fúria podem contribuir para o aparecimento de cólicas.
Não existem tratamentos específicos para a cólica do lactente. É pelo conhecimento do padrão de choro da criança que a família poderá minimizar o impacto das cólicas na criança e na família. Para minimizar as cólicas é fundamental que os pais: saibam se tem a fralda suja; estimulem as eructações ou expulsão de gases após as refeições; saibam se a criança tem fome; não forcem a refeição se a criança não está interessada em comer; sentem a criança de modo a que ela possa ver e sentir o que a rodeia; permitam que a criança sinta diferentes texturas, formas, cores e tamanhos; falem e cantem calmamente com os seus filhos; passeiem com os seus filhos; possibilitem um banho morno; deitem a criança em ventral nas pernas e massagem o dorso; realizem massagens abdominais circulares, após mudança de fralda sem a criança estar a chorar; usem os “sons brancos” ou sons de aspirador/exaustor/secador de cabelo; minimizem estímulos externos antes de adormecer; possam usar a chupeta e excecionalmente sair de carro para os acalmar.
As mães que amamentam podem ser aconselhadas a evitar leite de vaca, ovos, frutos secos, trigo e cafeína da sua dieta. Para crianças com leite de fórmula, pode ser tentado o uso de leites hidrolizados/hipoalergénicos no sentido de se minimizarem as cólicas. Nestes casos, e para minimizar a deglutição de ar, podem ser substituídas as tetinas por tetinas com buracos de maior diâmetro que aumentam o fluxo de leite minimizando a entrada de ar.
Dos produtos farmacêuticos disponíveis no mercado, pro-bióticos, simethicone ou lactase, nenhum se revelou eficaz de modo consistente já que a resposta é variada e inconsistente. Apesar de falta de evidência científica, existem modalidades de manipulação espinal ou craniana, pela osteopatia, que podem ajudar em algumas crianças com cólicas.
As cólicas podem ser um problema, quando a frustração e o desespero se instalam na família, quando criança e pais não conseguem dormir, quando os pais acham que as cólicas só terminam se alimentarem a criança sem intervalo para digestão, o que contribuirá para agravar o quadro. Em alguns momentos as famílias stressadas abanam as crianças para as tentar calar. Estes movimentos repetidos e violentos podem provocar lesões vasculares cerebrais com risco de sequelas graves e irreversíveis, bem como morte.
Aprender a viver com as cólicas é uma tarefa que deve ser partilhada entre a família e o médico de modo a ensinar a família a entender que se está perante um processo autolimitado, benigno e sem consequências para o bebé. Ter uma ajuda em casa de uma terceira pessoa que pode ficar com a criança permitindo que os pais saiam para se distraírem e quebrarem o ciclo vicioso de stresse e preocupação que as cólicas podem originar.
Atitudes simples como respirar fundo e contar até dez, sair do quarto deixando a criança e voltando dez minutos depois, telefonar a um amigo ou familiar para desabafar, procurar grupos de apoio.
Há momentos em que, perante um quadro provável de cólicas, poderemos ter de equacionar se a criança pode ter outro quadro clínico que justifique atenção médica nos casos em que a criança: não bebe ou não come bem; vomita; tem diarreia; está mais irritado quando manipulada; apresenta choro com gemido ou com som estranho; tem trabalho respiratório ou dificuldade respiratória; está mais sonolenta do que o habitual; apresenta febre (temperatura rectal acima de 38,2ºC); tem uma convulsão; apresenta tensão na fontanela anterior; apresenta manchas no corpo.
A cólica, sendo uma entidade benigna e autolimitada, não tem uma solução atual e não deve ser uma tarefa para um dos pais, é uma entidade que exige resiliência e partilha familiar, bem como a presença regular do médico assistente, pediatra ou médico de familia para ajudar a perceber e aceitar o percurso biológico do seu filho.
Fonte: Visão Saúde