A gravidez é um momento de escolhas importantes, muitas das quais podem ter impacto duradouro na saúde do bebé e da família. Entre essas decisões, uma das menos conhecidas, mas potencialmente mais valiosa, é a possibilidade de preservar o sangue e tecido do cordão umbilical — duas fontes ricas em células estaminais hematopoiéticas (CEHs) e células estaminais mesenquimais (CEMs), com enorme potencial terapêutico.
Estas células estão na linha da frente da medicina regenerativa e são hoje utilizadas em tratamento em mais de 80 doenças hematológicas, imunológicas e metabólicas. Mas afinal, o que são estas células, e porque têm relevância biológica e clínica?
O que são Células Estaminais Hematopoiéticas (Sangue)?
As células estaminais hematopoiéticas são células imaturas, encontradas em grande concentração no sangue do cordão umbilical, com a capacidade de se auto-renovar (isto é, gerar cópias de si próprias) e de se diferenciar em todos os tipos de células sanguíneas especializadas:
- Glóbulos vermelhos, que transportam oxigénio;
- Glóbulos brancos, que combatem infeções;
- Plaquetas, que ajudam na coagulação do sangue.
Estas células são essenciais para a renovação contínua do sangue e do sistema imunitário. No contexto clínico, as CEHs são utilizadas para reconstruir o sistema hematopoiético de pacientes submetidos a tratamentos intensivos, como quimioterapia ou radioterapia, especialmente em casos de leucemia, linfoma, mieloma múltiplo ou doenças genéticas raras.
E Células Estaminais Mesenquimais (Tecido)?
As células estaminais mesenquimais (CEMs), presentes no tecido do cordão umbilical, são células imaturas com a capacidade de se autorrenovar e de se diferenciar em diversos tipos de células especializadas do tecido conjuntivo, como osteócitos (osso), condrócitos (cartilagem) e adipócitos (gordura). Estas células desempenham um papel fundamental na regeneração e reparação de tecidos, graças às suas propriedades anti-inflamatórias, imunomoduladoras e regenerativas. Atualmente, as CEMs estão a ser amplamente estudadas e aplicadas em ensaios clínicos para o tratamento de doenças autoimunes, lesões articulares, doenças cardiovasculares, entre outras condições degenerativas, demonstrando um enorme potencial na medicina regenerativa.

Porque é que o Cordão Umbilical é uma Fonte Especial?
O sangue do cordão umbilical — recolhido de forma segura e indolor logo após o nascimento do bebé — contém CEHs com características únicas:
- Imaturidade imunológica: estas células são menos propensas a causar rejeição, pois têm menor expressão de antigénios de histocompatibilidade (HLA).
- Maior capacidade de proliferação: por serem mais jovens, estas células têm maior potencial de multiplicação e diferenciação.
- Compatibilidade mais alargada: permitem maior flexibilidade nos critérios de compatibilidade entre dador e recetor, o que é particularmente relevante para pacientes sem dador familiar compatível.
Além disso, estudos recentes demonstram que as CEHs do cordão umbilical apresentam uma resposta positiva em ambientes de baixa oxigenação, semelhantes aos tecidos lesionados, o que pode ser vantajoso em futuras aplicações clínicas, como doenças neurológicas ou autoimunes.
O tecido do cordão umbilical — colhido de forma segura e indolor imediatamente após o nascimento — é uma fonte rica em CEMs com propriedades especialmente promissoras:
• Potencial regenerativo elevado: estas células conseguem diferenciar-se em diversos tipos celulares, contribuindo para a regeneração de ossos, cartilagens, músculos e outros tecidos.
• Ação anti-inflamatória e imunomoduladora: ajudam a controlar respostas imunitárias excessivas, o que é útil no tratamento de doenças autoimunes e inflamatórias.
• Facilidade de expansão in vitro: as CEMs podem ser cultivadas e multiplicadas fora do organismo, mantendo as suas propriedades terapêuticas.
Além disso, por serem células jovens e pouco diferenciadas, apresentam baixa imunogenicidade, o que reduz o risco de rejeição e permite aplicações alogénicas mais seguras — ou seja, entre dadores e receptores diferentes —, alargando o seu potencial terapêutico em futuras abordagens de medicina regenerativa.
A Importância da Criopreservação
Após a recolha, o sangue e o tecido do cordão são processados e armazenados a temperaturas extremamente baixas (cerca de -196 °C) em tanques de azoto líquido. Este processo, chamado criopreservação, é fundamental para manter a viabilidade e integridade funcional das células ao longo de anos — décadas, segundo dados já disponíveis.
Preservar estas células ao nascimento é uma oportunidade única, pois nunca mais poderá ser recolhido sangue ou tecido do cordão umbilical da mesma criança. A criopreservação permite que as células fiquem disponíveis a qualquer momento no futuro, seja para uso autólogo (no próprio dador) ou em irmãos e familiares compatíveis.
Disponibilidade Imediata: Um Fator de Decisão Vital
Ao contrário da procura por dadores de medula óssea, que pode demorar semanas ou meses e requer compatibilidade genética precisa, as unidades de sangue do cordão umbilical estão imediatamente disponíveis nos bancos, seja públicos ou privados. Esta disponibilidade pode ser decisiva em situações clínicas urgentes, como recaídas de leucemia ou falência medular, onde o tempo é um fator crítico de sobrevivência. Além disso, a criopreservação em bancos familiares oferece um acesso exclusivo às células, o que pode ser determinante no caso de doenças familiares hereditárias ou quando existe historial clínico relevante.

Avanços Recentes e Perspectivas Futuras
Com base em estudos como o publicado em Stem Cells International (PMC9985112), a investigação científica tem vindo a explorar formas de maximizar o potencial das CEHs do cordão umbilical:
- Expansão ex vivo para aumentar o número de células numa unidade;
- Fucosilação, que acelera o tempo até à enxertia no organismo;
- Transplantes duplos, permitindo tratar adultos com unidades pediátricas;
- Co-transplantes com células mesenquimais, para reduzir complicações e potenciar a regeneração de tecidos.
Há ainda ensaios clínicos promissores com aplicação das CEHs do cordão em casos de paralisia cerebral, autismo, diabetes tipo 1 e outras doenças inflamatórias.
Uma Escolha Informada com Olhos no Futuro
Para as grávidas e recém-mães portuguesas, a preservação do sangue do cordão umbilical representa uma decisão informada com implicações para toda a vida. Ao optar pela criopreservação, não se trata apenas de “guardar algo por precaução”, mas sim de garantir acesso a uma ferramenta terapêutica comprovada, segura e cada vez mais abrangente. É ainda uma alternativa adicional importante a outras linhas de tratamento atuais que por vezes podem não funcionam.
Preservar hoje pode significar tratar amanhã. E, num mundo em constante evolução científica, esta pode ser uma das decisões mais impactantes que os pais podem tomar pelo bem-estar futuro do seu filho.